FAU e CNPM
usam satélite em pesquisa histórica
(31/12/97)
Um português pouco conhecido nas salas de aula
traçou o primeiro esboço do que veio a ser o estado de São
Paulo, levando o desenvolvimento para o interior e fundando dezenas de cidades,
a partir de uma estrada estratégica, conhecida como o Caminho dos
Goiazes. Luis Antônio de Souza Botelho Mourão, ou Morgado de
Mateus, desembarcou no Brasil em 1765, incumbido pelo Marquês de Pombal
de proteger o Sul do país contra os espanhóis, expandir as
fronteiras para o Oeste e enviar recursos para a reconstrução
de Lisboa, destruída por um grande terremoto em 1755. No navio que
o trouxe, o nobre português embarcou a maior coleção
de mapas e referências bibliográficas, que pode encontrar, e
uma equipe de cartógrafos, com quem traçaria os destinos de
São Paulo.
Entre 1765 e 1775, Morgado de Mateus restabeleceu a Capitania de São
Paulo, fundou pelo menos 20 cidades e consolidou as regiões Sul e
Sudeste praticamente nos limites que elas têm ainda hoje. No centro
de tudo, uma rede de estradas, de onde parte a tese de doutorado do arquiteto
Antônio da Costa Santos, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, FAU-USP.
Para confirmar o exato local da fundação de Campinas, o arquiteto
reconstituiu o traçado do Caminho dos Goiazes e resgatou a visão
estratégica de Morgado de Mateus.
Costa Santos contou, para a reconstituição do passado, com
a ajuda de tecnologias usualmente voltadas para o futuro, como os Sistemas
Geográficos de Informação (GIS) e os satélites
do Núcleo de Monitoramento Ambiental,
CNPM. "Esta tecnologia foi fundamental
para adequar os mapas antigos - com suas imperfeições, erros
técnicos e erros geopolíticos - aos mapas atuais, de modo que
eu pudesse reconhecer o percurso in loco", explica o arquiteto. "Se eu
simplesmente colocasse os mapas atuais - a seco - ao lado dos antigos, a
reconstituição não seria possível".
Para os pesquisadores do CNPM, o desafio foi mergulhar no passado com instrumentos
do presente. O primeiro passo foi corrigir as projeções dos
mapas históricos dos cartógrafos de Morgado de Mateus, fazendo-os
coincidirem com as imagens de satélite e fotos aéreas atuais.
"As dificuldades principais foram as escalas e a referência: na época
eles usavam o meridiano das Canárias como referência e não
Greenwich (que ainda não existia) e nossos programas não faziam
a conversão", conta Evaristo Eduardo de Miranda, do CNPM. Ao sobrepor
os mapas antigos com as imagens atuais, os pesquisadores também
encontraram alguns erros no traçado dos rios e na localização
de acidentes geográficos. "Sem contar que as divisas entre capitanias
e as fronteiras com o Paraguai, por exemplo, localizavam-se mais para lá
ou mais para cá conforme os interesses político O passo seguinte
foi produzir cartas hidrográficas muito detalhadas, na escala 1:50.000,
numa ampla faixa entre Jundiaí e Mogi-Mirim. Sobre elas foram projetadas
as estradas atuais, as de 1950 e as de 1910, de modo a se verificar a
evolução dos traçados e reconhecer os nomes dados aos
pousos, vilas e cidades, ao longo do tempo. Com o cruzamento destes dados
todos no Sistema Geográfico de Informação, dirimiram-se
muitas dúvidas relativas a trechos do traçado, percorridos
diversas vezes pelo arquiteto Costa Santos. Os resultados foram comparados,
também, com os relatos dos viajantes da época, que descreviam
as paisagens.
"Com isso, chegamos ao traçado original do Caminho dos Goiazes, a
estrada que buscou novas minas no interior e possibilitou a concessão
de sesmarias, a abertura das fazendas de café e cana-de-açúcar
paulistas", acrescenta Miranda. "E consegui a prova necessária de
que Campinas foi fundada na clareira conhecida como Campinas Velha, ao lado
da estrada", afirma Costa Santos. Segundo ele, este local nunca foi oficialmente
reconhecido porque "a história é escrita pelas elites dominantes
e seria constrangedor para os barões do café reconhecer que
Campinas foi fundada ao lado de uma estrada usada por contrabandistas,
prostitutas e bandidos".
Alguns dos mapas produzidos e o traçado da estrada histórica
estão disponíveis
aqui.
Maiores informações sobre a tese de doutorado podem ser conseguidas
junto ao arquiteto Antônio da Costa Santos através dos telefones
(019) 2511663 e 2518722.
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